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O mercado de trabalho não está pronto para atender às demandas da geração Z

Pode parecer ingênuo achar que um cara de quase 40 anos na cara vai vir aqui se posicionar de um jeito neutro sobre o comportamento das novas gerações no mercado de trabalho. Se eu seguir a regra dos meus pais, avós e bisavós, eu, automaticamente, vou descer a lenha nos mais novos. Vou dizer que eles são frouxos, que não aguentam o tranco ou são mimados. Vou dizer que eles não têm responsabilidade, que não querem nada com nada e representam uma geração perdida. E sabe por que seria natural, quase que esperado, que eu fizesse isso? Simplesmente porque esse é o comportamento padrão do ser humano conforme o tempo vai passando.

Pensa comigo… quem é mais novo e começa a ocupar posições no mercado representa uma ameaça pra quem veio antes. Dependendo do que eu fizer, eu posso ser engolido pela mão-de-obra mais jovem, que tem menos vícios, é muito mais barata e normalmente costuma ter mais vontade… mas a pandemia trouxe um novo normal também para o comportamento da geração Z, justamente a que vem se alastrando pelas cadeiras dos escritórios mundo afora.

Essa até podia ser uma conclusão baseada só no meu umbigo. Eu sou sócio de algumas empresas e percebo um comportamento bastante padrão nos meus funcionários com menos idade. Na minha experiência, eu percebo que muitos não gostam de ser cobrados, só querem fazer o que estão afim e são bastante imaturos quando o assunto é prazo ou qualquer dificuldade do dia-a-dia de qualquer função. Mas o que eu vou colocar nos próximos parágrafos é também baseado em números. Principalmente num levantamento feito pelo EDC Group, que entrevistou 328 brasileiros pra chegar a algumas conclusões sobre essa galera xóvem.

Na hora de responder a pesquisa, eles mesmos assumiram alguns comportamentos que pra minha geração podem ser encarados como falta de compromisso. De cada 8 funcionários de 18 a 25 anos, pelo menos 1 diz que não cumpre nem a própria jornada de trabalho, chega depois do horário e vai embora antes. E de todo mundo que foi entrevistado, um quarto concorda que a tal da geração Z é claramente menos engajada com o trabalho e que só faz aquilo que foi contratada pra fazer… nem mais e nem menos. Um jeitão quase que robótico. Quando a gente amplia essa história pra fora do país, praticamente 3 em cada 4 líderes nos Estados Unidos entendem essa geração como realmente bem mais difícil de trabalhar em comparação com os mais velhos, segundo uma pesquisa da plataforma de currículos Resume Builder.

Até aqui o raciocínio segue aquele do cara mais velho que só reclama de quem é jovem e pensa diferente. Mas agora vai entrar em campo o cara que tem TDAH, faz tratamento pra ansiedade e toda semana conversa com o próprio terapeuta (sim, eu tô falando de mim mesmo). A gente vive num Brasil de 19 milhões de ansiosos, segundo a Organização Mundial da Saúde, e é inegável que boa parte do que transformou a gente num bando de infelizes e frustrados foi a máxima do “trabalhe enquanto eles dormem”. Eu sempre digo que prefiro “dormir enquanto eles trabalham além da conta pra ter mais rendimento quando for trabalhar amanhã dentro do horário do meu contrato”. Olha só… trabalhar muito não é necessariamente trabalhar bem, a gente precisa entender isso.

Não ache que eu tô passando pano, muito pelo contrário, tá?! Eu realmente acho que a geração Z, em boa parte, é bastante problemática sim. Mas o mundo mostra que a gente que veio antes também não é lá muito referência. Quantos amigos frustrados profissionalmente você tem? Quantos não ficam sem tarja preta? Quantos reclamam que só trabalham e não sobra dinheiro pra nada? Quantos só dizem que têm sonhos, mas nunca realizam? É essa a geração que sabe o real valor do trabalho, que desvendou o segredo da vida feliz? É esse o espelho de dedicação que os mais novos precisam enxergar? Porque se for isso, eu não sei se vale a pena.

O movimento que a gente tá vendo no mercado de trabalho com a geração Z é parecido com o movimento que a gente vê em momentos de grandes rupturas estruturais de comportamentos sociais. Um padrão de ação estabelecido só começa a se movimentar quando muita gente passa a forçar essa mudança. E essa “forçada” só acontece quando uma galera sai da curva ao mesmo tempo e radicaliza esse comportamento. Pra garantir mais respeito ao que é diferente é preciso o grito escancarado de um grupo que vai problematizar quase tudo.

É como um carro que há tempos roda num caminho esquisito, que já não tá chegando mais em lugar nenhum. Os discordantes desse trajeto são aqueles que vão entrar no carro e puxar o volante de um jeito brusco, esperando um cavalo de pau que faça a rota virar totalmente pro lado oposto. Quem já tava dentro do carro segura essa manobra, que acaba sendo menos agressiva. No fim, a direção segue pra um meio termo. Nem segue do jeito que tava, nem muda 180 graus.

Eu quero acreditar que o momento que a gente tá vivendo agora no mercado é exatamente esse movimento de conflito dentro do carro. De um lado, a gente, que diz dominar todos os segredos da vida corporativa mas vai pro banheiro chorar porque demonstrar fraqueza no escritório pode prejudicar a próxima promoção que a gente acha que quer, mas só vai fazer a gente trabalhar mais e com mais pressão. Do outro, uma galera que não sabe receber uma cobrança porque “não admite sair de casa pra trabalhar num lugar que não tenha aderência com todos os ideais de vida que ela tem”.

Eu dou risada dos vídeos nas redes dizendo que a geração Z não entende que trabalhar é também fazer aquilo que a gente não gosta de vez em quando. Mas a gente esquece que muitas vezes já se viu fazendo o que não gosta o tempo todo. E isso também não é legal.

Você entendeu aonde eu quero chegar, né?! O mimimi, acho eu, tá dos dois lados. De quem não entende que idealismo puro não paga boleto e de quem acha que tomar porrada é obrigatório pra criar casca. Empatia, pra mim, é a palavra-chave no mercado de hoje. E quem não entende isso vai seguir sempre reclamando do outro. Seja ele mais velho ou mais novo. Bora olhar pra dentro e tentar aceitar o meio do caminho? Não tô dizendo que é fácil… mas é possível entender que a melhor geração é a geração de valor pra todo mundo e não só pra um grupo específico.

Por Phillipe Siani – CNN BRASIL

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