“Não Olhe para Cima”

Não olhe para cima
Divulgação/Netflix

“Não Olhe para Cima”, nova sátira da Netflix, não faz rir por que é fiel demais à triste realidade

por Morgana Bressiani 27 de dezembro de 2021

  • 3 minutos de leitura

A Netflix reuniu um elenco mais que estrelado com Jennifer Lawrence, Leonardo DiCaprio, Meryl Streep, Jonah Hill e Cate Blanchett na nova sátira de Adam McKay “Não olhe para cima”, e que pretende ser um aviso “ridículo” sobre a mudança climática e o fim do mundo. Mas, na história tão trágica que chega a ser cômica, qualquer semelhança com a nossa realidade não é mera coincidência.

A trama, que mostra um último esforço para fazer os terráqueos darem importância para o fim iminente do planeta estimulado pela crise climática, aborda a dificuldade de obrigar o desinteressado a se preocupar, neste caso, com um cometa gigantesco em uma rota de colisão e destruição da Terra. A metáfora é enfática, mas um pouco inadequada – já que a maioria está indiferente ao aquecimento global. Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence interpretam os astrônomos Randall Mindy e Kate Dibiasky, respectivamente, que se sentem impotentes ao descobrirem que ninguém está tão alarmado com o “assassino de planetas” que eles descobriram – nem os sorridentes manequins do noticiário da TV interpretados por Tyler Perry e Cate Blanchett, nem a Casa Branca liderada por uma presidente, interpreta por Meryl Streep, que é uma mistura perfeita de líderes de governos atuais, com direito inclusive a filho em cargo importante.

Divulgação/Netflix

Quando a presidente dos Estados Unidos não entende, ou escolhe não entender, o quão grave é a situação e como todos estão em risco, eventos desesperadores em tom de humor escrachado começam a se desenvolver: a astrônoma Dibiaski surta na televisão ao vivo, grita que todos vão morrer e acaba virando meme, a mídia mais preocupada com o término de um casal de influencers do que com as possíveis mortes que devem acontecer por conta do cometa, enquanto a presidente só pensa em usar o episódio para sua reeleição, incentivada por um grande investidor e empresário que cria uma “solução” que trará lucro para eles desacreditando os cientistas que alertam para as falhas no plano. Tudo isso gera uma polarização entre aqueles que apoiam e não apoiam o “cometa”.

Algo nessa história parece semelhante para você? Por mais hilário que seja o filme, essa reação não é tão absurda assim. Vamos lá: a cultura das celebridades e nossa fixação nela – mesmo sendo bombardeados diariamente com notícias trágicas como fome, desastres naturais e os milhões de mortes por uma doença cuja qual já existe uma vacina. A grande mídia se mostra inútil, mais interessada em clickbait (tática usada na Internet para gerar tráfego online por meio conteúdos enganosos ou sensacionalistas) do que em reportagens apuradas, embora o roteiro de “Não olhe para cima” também mostre que a máquina de comunicação de massa é a única forma capaz de mudar a opinião pública.

Divulgação/Netflix

Mesmo que as incríveis interpretações de Lawrence, DiCaprio, Streep e Blanchett nos tirem alguns leves sorrisos, é impossível ser brasileiro e não comparar o negacionismo e a polarização criada no filme com a nossa realidade. “Não olhe para cima” é um bom retrato da nossa sociedade como um todo, e mostra a pequena e enormemente rica parcela que controla a economia pensando sempre em mais lucro, conduzindo a parcela negacionista e desinformada a desacreditar na ciência e na educação. Ah, e claro, uma rebelde de cabelo vermelho e desconstruído que perde a esperança de lutar contra a massa, surtando e gritando que vamos todos morrer, acompanhada de um bom moço que não entende direito o que está acontecendo, mas tem fé o suficiente para pedir que Deus nos dê uma nova chance, aquecendo até os corações mais duros.